terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ausência - Vinícius de Moraes



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces


Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto


No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida


E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.


Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.


Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados


Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada


Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.


Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.


Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.


Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.


Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.


Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.


E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.


Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.


Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.


E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.


Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Chico Buarque lê Álvaro de Campos

"Budapeste"Filme baseado no livro de Chico Buarque estréia em abril nos cinemas.