sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Cancioneiro - Fernando Pessoa


Boiam leves, desatentos

Meus pensamentos de mágoa

Como no sono dos ventos

As algas, cabelos lentos

Do corpo morto das águas.


Boiam como folhas mortas

A tona de águas paradas

São coisas vestindo nadas

Pós remoinhando nas portas

Das casas abandonadas.


Sono de ser, sem remédio

Vestigio do que não foi

Leve mágoa, breve tédio,

Não sei se para, se flui

Não sei se existe ou se dói.

Olavo Bilac


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via láctea, como um pálio aberto,cintila.

E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.


Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"


E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Salvador Dali


Tem mais samba - 1964

Tem mais samba no encontro que na espera
Tem mais samba a maldade que a ferida
Tem mais samba no porto que na vela
Tem mais samba o perdão que a despedida
Tem mais samba nas mãos do que nos olhos
Tem mais samba no chão do que na lua
Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer
Vem que passa
Teu sofrerSe todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver