domingo, 12 de junho de 2011

Carlos Drummond de Andrade

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não chateia com o fato de o seu bem ser paquerado.
Não tem namorado quem ama sem gostar;
quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar;
quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações;
quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz.
Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo, e quem tem medo de ser afetivo. Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas e ternuras, e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada, e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo da janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteira:
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
Enlou-cresça.


Livro do Desassossego- Fernando Pessoa

O coração, se pudesse pensar, pararia.
Considero a vida uma estalagem
onde tenho que me demorar
até que chegue a diligência do abismo.
Não sei onde me levará, porque não sei nada.
Poderia considerar esta estalagem uma prisão,
porque estou compelido a aguardar nela.
Poderia considerá-la um lugar de sociáveis,
porque aqui me encontro com outros.
Não sou, porém, nem impaciente nem comum.
Deixo ao que são os que se fecham no quarto,
deitados moles na cama onde esperam sem sono.
Deixo ao que fazem os que conversam nas salas,
de onde as músicas e as vozes chegam comodas até mim.
Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos
nas cores e nos sons da paisagem,
e canto lento, para mim só,
vagos cantos que componho enquanto espero.

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