segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A PROPÓSITO DISTO - Mayakovsky - A FÉ


Distendei vossa espera o quanto quiserdes

- tão clara, duma clareza tão alucinante

é minha visão que, dir-se-ia,

bastava o tempo de liquidar esta rima,

para, garimpando ao longo do verso,

entrar numa vida maravilhosa.

Eu não preciso indagar o que e como.

Vejo-o, nítido, até os último detalhes,

no ar, camada sobre camada,

como pedra sobre pedra.

Vejo erguer-se, fulgurando

no pináculo dos séculos,

isento de podridões ou poeiras,

o laboratório das ressurreições humanas.

Eis o calmo químico,

a vasta fronte franzida em meio à experiência

Num livro,

"Toda a Terra", procura ele um nome.

"O Século Vinte...vejamos, a quem ressuscitar?

A Maiakovsky talvez...

Não, busquemos matéria mais interessante!

Não era bastante belo esse poeta".

Será então minha vez de gritar daqui mesmo,

desta página de hoje:

"Pára, não folheies mais!

É a mim que deves ressuscitar!"

A ESPERANÇA - Mayakovsky


Injeta sangue no meu coração,

enche-me até o bordo das veias!

Mete-me no crânio pensamentos!

Não vivi até o fim o meu bocado terrestre ,

sobre a terra não vivi o meu bocado de amor.

Eu era gigante de porte, mas para que este tamanho?

Para tal trabalho basta uma polegada.

Com um toco de pena, eu rabiscava papel,

num canto do quarto, encolhido,

como um par de óculos dobrado dentro do estojo.

Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:

esfregar, lavar, escovar, flanar, montar guarda.

Posso, se vos agradar, servir-vos de porteiro.

Há, entre vós, bastante porteiros?

Eu era um tipo alegre,

mas que fazer da alegria,

quando a dor é um rio sem vau?

Em nossos dias, se os dentes

vos mostrarem não é senão

para vos morder ou dilacerar.

O que quer que aconteça,

nas aflições, pesar...

Chamai-me!

Um sujeito engraçado pode ser útil.

Eu vos proporei charadas,

hipérboles e alegorias,

malabares dar-vos-ei em versos.

Eu amei...

mas é melhor não mexer nisso.

Te sentes mal?

Tanto pior...

Gosta-se, afinal, da própria dor.

Vejamos...

Amo também os bichos

- vós os criais, em vossos parques?

Pois, tomai-me para guarda dos bichos.

Gosto deles.

Basta-me ver um desses cães vadios,

como aquele de junto à padaria,

um verdadeiro vira-lata!

e no entanto, por ele,

arrancaria meu próprio fígado:

e toma, querido, sem cerimônia, come!

AMOR - Mayakovsky


*Um dia, quem sabe

ela, que também gostava de bichos

apareça numa alameda do zoo

sorridente, tal como agora está

no retrato sobre a mesa

Ela é tão bela, que, por certo

hão de ressuscitá-la

Vosso Trigésimo Século ultrapassará

o exame de mil nadas

que dilaceravam o coração

Então, de todo amor não terminado

seremos pagos em enumeráveis noites de estrelas

Ressuscita-me

nem que seja só porque te esperava

como um poeta,repelindo o absurdo quotidiano

Ressuscita-me, nem que seja só por isso

Ressuscita-me!

Quero viver até o fim o que me cabe!

Para que o amor não seja

mais escravo de casamentos

concupiscência, salários.

Para que, maldizendo os leitos

saltando dos coxins

o amor se vá pelo universo inteiro

Para que o dia, que o sofrimento degrada

não vos seja chorado, mendigado

E que, ao primeiro apelo

- Camaradas!

Atenta se volte a terra inteira

Para viver livre dos nichos das casa

Para que doravante a família

seja o pai

pelo menos o Universo

a mãe

pelo menos a Terra!